"Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e
de repente você estará fazendo o impossível."
São Francisco de Assis



segunda-feira, 11 de abril de 2011

A Espera

A Jovem Ana soltou a faca com a qual picava tomates no quiosque de praia para observar o homem de caminhar cansado que mais uma vez se aproximava das pedras para sentar e observar o fim de tarde.

Aquela rotina já havia sido notada por ela que há seis meses trabalhava no local e presenciava diariamente aquela cena em que o senhor com seus setenta anos caminhava lentamente pela areia, parecendo desfrutar a brisa com regozijo.

Intrigada decidiu naquela tarde se aproximar e puxar assunto. Sentiu-se um tanto desconfortável com a expressão do homem que não era de satisfação e sim de agonia, aflição.

- Boa tarde, aproximou-se.

- Boa tarde minha jovem. – Os últimos raios de sol refletiram nos cabelos brancos do homem.

- Sou a Ana do quiosque.

- Prazer Ana, sou o Luiz. – Ele sorriu um sorriso triste, melancólico.

Como se a conversa não deslanchasse, ela, na afoiteza da juventude, já foi logo extravasando a curiosidade. – Por que o senhor vem até esse lugar, todos os dias, no mesmo horário, fazendo sol ou chovendo?

- Estou esperando uma pessoa.

- Há mais de seis meses? – O sorriso que se soltou de seus lábios era lindo, porém desagradável para Luiz, que do alto da sabedoria dos seus muitos anos de vida, percebeu um contorno debochado.

- Muito mais do que isso...

- Por que o senhor faz isso? Essa pessoa não vai aparecer. – As ondas colidiram contra as pedras liberando uma cortina úmida e refrescante, afastando Ana de seu ceticismo.

- Eu sei, mas mesmo assim eu espero.

Luiz lamentou a falta de esperança da moça tão jovem e já sem perspectiva e contou sua história, sem pressa, apenas saboreando cada nuance vivida e experimentada diante daquele entardecer onde o sol brilhava como um holofote aceso no céu laranja.

- Há mais de quarenta anos conheci Isabel aqui nesse mesmo lugar. – Começou ele, passando a mãe suavemente sobre a superfície áspera da pedra. – Ela era linda, não foi difícil nos apaixonarmos e consequentemente, nos casarmos. Formamos uma família linda, com duas filhas amorosas, que hoje já nos deram netos.

- É essa Isabel que o senhor espera?

Luiz não respondeu, fitou o horizonte acompanhando o vôo gracioso de um pássaro e continuou a história como se não tivesse ouvido à pergunta. - Durante muitos anos esse foi nosso local predileto, nós nos encontrávamos aqui todo final de tarde, para apreciar o poente em silêncio, apenas curtindo um a presença do outro e os encantos da natureza, da nossa juventude e da nossa vida perfeita.

- O que aconteceu para que o senhor começasse a vir aqui sozinho, sem ela?

Luiz não gostava de expor a esposa com quem tinha tido tantos momentos de alegria durante uma vida plena de realizações. – Nós vivemos juntos por mais de trinta e oito anos, ela a esposa perfeita, amorosa, boa mãe, dedicada dona de casa e eu o marido fiel e trabalhador.

- Isso parece ótimo.

- E foi ótimo, até que há quatro anos Isabel começou a esquecer das coisas, a tomar atitudes estranhas e a não reconhecer mais as pessoas.

Luiz notou a descrença nos olhos da moça, dando lugar ao espanto. - O que aconteceu com ela?

- Fizemos todos os exames existentes, tudo o que pudemos para recuperá-la, mas já era tarde, ela estava em um estágio avançado de Alzheimer. – Ana fingiu não notar o embargo na voz do homem, mas o visível sofrimento dele a fez engolir em seco. – Quando iniciamos o tratamento, a memória dela já estava bastante afetada.

- Sinto muito. – A moça sentiu uma dor incomum ao engolir a própria saliva.

- Os problemas aumentaram e não tivemos mais como mantê-la conosco.

- O senhor a internou? – Ela sentiu uma náusea momentânea imaginando que a família de Isabel tivesse se livrado dela.

- Foi a única saída, então ela foi para uma clínica onde médicos e enfermeiros a acompanham diuturnamente. Nossas filhas a visitam todas as semanas e eu... – Luiz suspirou mais uma vez a brisa fresca, balançando a cabeça negativamente. – Eu a vejo todos os dias, todas as manhãs vou até a clínica, me apresento e converso com ela durante horas. Às vezes ela me dá atenção, às vezes não quer nem saber de mim e a maior parte das vezes parece nem me ver.

Ana estava confusa, por que alguém continuaria se esforçando tanto para fazer companhia a uma pessoa que sequer notava sua presença? - Ela nem sabe mais quem é o senhor. – Concluiu de forma dura.

Luiz encheu-se de orgulho pela esposa e respondeu - Mas eu sei quem ela é, e ela é a pessoa mais importante do mundo para mim, por isso continuo visitando e conversando com ela todas as manhãs e à tarde vindo para cá, na esperança de que ela possa se lembrar dos nossos momentos juntos aqui e possa aparecer, nem que seja para um último pôr do sol.

- O senhor sabe que isso não vai acontecer, ela não vai mais aparecer.

- Eu sei, mas ainda assim eu espero. – Os olhos marejados do homem comprimiram o coração de Ana dentro do peito. Observando-o mais de perto, pôde notar as feições abatidas de quem convive com a dor e o sofrimento por mais tempo do que deveria.

Ela estendeu sua mão para ele, no afã de oferecer consolo, mas Luiz sabia que quem precisava de consolo não era ele e sim a jovem moça bonita e sem esperança, sem uma história para viver.

Ele a abraçou, quando o sol já não os fazia mais companhia. – Adeus. – Disse ele.

- O senhor vai voltar amanhã?

- E depois, até que minhas pernas não me permitam mais essa caminhada.

Ana ficara comovida com aquela história de amor, e entendera que o fim daquela espera significaria o desaparecimento dos momentos até ali vividos por Luiz e Isabel. - Quando esse dia chegar, - Ana falou sem afobação. - o senhor me chama que eu o ajudo a chegar até aqui para esperar sua Isabel.

Luiz sabia que Isabel não apareceria, ela jamais se lembraria dos entardeceres que passaram juntos, mas estava feliz e realizado, tinha tido a chance de mostrar àquela jovem que um amor de uma vida não termina, ele se transforma...